do Governo
Novo ano lectivo<br>– velhos problemas
O Governo exultou com a «normalidade» da abertura do ano lectivo, retórica em que foi acompanhado por alguns comentadores ao seu serviço e pelos chamados analistas políticos. Estávamos em plena campanha eleitoral e com a perspectiva de PSD/CDS terem o pior resultado de sempre era preciso dar a mão ao Governo, procurando, assim, fazer esquecer a contestação de que foi alvo durante os quatro anos da Legislatura.
Nenhum dos grandes problemas que condicionam o normal funcionamento das escolas públicas (...) foi resolvido
Mestres no malabarismo político e na manipulação mediática, compararam o resultado da colocação de professores em 2015 com o triste episódio verificado no ano anterior, situação que nem os mais pessimistas imaginavam poder acontecer, tendo ficado mesmo a convicção de que pior seria praticamente impossível.
Mesmo assim, não fosse o diabo tecê-las, Governo e PSD/CDS, não muito seguros de que o impossível não se repetiria, e com alguma dose de saudosismo à mistura, adiaram o período de abertura das escolas empurrando-o até 21 de Setembro. Não seja este Governo afastado de vez e ainda voltaremos ao tempo de má memória em que o ano lectivo se iniciava a 7 de Outubro.
Este atraso não é o único elemento de avaliação da abertura do ano lectivo. Por exemplo, se tivermos em conta também a colocação dos professores, esta, mais uma vez, não correu bem – mais de 3000 professores foram colocados a, apenas, três dias úteis da abertura do ano lectivo, razão pela qual não puderam participar nas actividades de preparação do ano lectivo. Acresce que após 21 de Setembro ainda foram colocadas largas centenas de professores.
A conversa da normalidade foi, pois, mais um embuste dos muitos a que o Governo cessante nos habituou. Com ele, procurou omitir uma verdade irrefutável: nenhum dos grandes problemas que condicionam o normal funcionamento das escolas públicas, incluindo o processo de colocação de professores, e que têm contribuído para a degradação das condições de ensino/aprendizagem nos últimos anos, foi resolvido, e isso irá sentir-se ao longo do ano.
«Normal» só mesmo a incompetência do Ministério da Educação e Ciência (MEC) e a estratégia do Governo de desvalorização da Escola Pública.
São muitos os problemas que o PCP tem vindo a denunciar e que resultam da política de desvalorização da Escola Pública e de elitização da Educação que, nos últimos anos, teve expressão concreta no corte de cerca de três mil milhões de euros nos orçamentos da educação. Mas seria redutora uma avaliação que se esgotasse na ideia de estratégia economicista. Há, aqui, uma opção ideológica clara. Estamos perante um processo de fragilização da Escola Pública com vista à privatização do ensino, como se confirma pela crescente oferta, anual, de milhares de alunos das escolas públicas aos colégios privados, medida que, para além de inconstitucional, lesa o Estado em dezenas de milhões de euros e prejudica a formação de crianças e jovens que passam, na esmagadora maioria dos casos, a frequentar escolas cuja lógica de funcionamento é centrada no lucro. O que se passa na região centro, nomeadamente com o grupo GPS, cujo crescimento está, como tem sido amplamente denunciado, perigosamente ligado à circulação de ex-governantes e altos quadros do MEC entre o aparelho do Estado e a direcção daqueles colégios é um verdadeiro escândalo que urge parar e punir.
Elitizar a educação
Para o grande capital e o seu braço político no Governo, é indesejável a existência de uma escola cujo paradigma se centre na formação integral do indivíduo. Olham para a escola como um dos mais importantes instrumentos de formatação das consciências, e para a Escola Pública em particular, como uma escola de segunda destinada aos filhos das classes laboriosas e aos mais desfavorecidos da sociedade. Uma escola que deverá conferir uma formação mínima, determinada pelos interesses do mercado de trabalho. Não aceitam a existência de uma Escola Pública de qualidade, onde todos os jovens tenham acesso ao conhecimento, aprendam a questionar e a ser competentes para uma intervenção consciente na vida económica, política, social e cultural do país. A Escola Pública que serve os seus interesses de classe é outra: é a que contribui para a reprodução das condições ideológicas que lhes permitirá perpetuar no tempo o sistema vigente.
A elitização da educação reflecte-se nos conteúdos curriculares, no encaminhamento forçado dos alunos, logo a partir do 9.º ano, para vias profissionais desvalorizadas, com o objectivo, não declarado, de dificultar o acesso a um Ensino Superior de qualidade elevada a um grande número desses jovens. Mas também o aumento dos custos com a educação torna-os insuportáveis para a grande maioria das famílias, o que em vez de atenuar ou mesmo eliminar as desigualdades económicas e sociais, põe em causa o direito constitucional «ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar».
Segundo os dados do último Inquérito às Despesas das Famílias, realizado pelo INE, um agregado familiar com filhos dependentes (36,6% dos agregados familiares em Portugal) gastou, em média, com a educação em 2014, 1082 euros, valor que em 2015 será superior, até porque os manuais escolares tiveram um aumento médio de 2,6 por cento.
Às exigências que se colocam à Escola Pública do ponto de vista humano e pedagógico, devem corresponder os meios e as condições. Ao contrário, o actual Governo PSD/CDS impôs o aumento do número de alunos por turma e, assim, garantiu o despedimento de milhares de professores criando maiores dificuldades às escolas que já se debatem com outros factores de instabilidade. É certo que o desemprego e a precariedade laboral não são problemas exclusivos dos professores, são um problema nacional que atinge os trabalhadores de todos os sectores. Mas no caso deste grupo profissional, para além da instabilidade que cria na sua vida pessoal e familiar, tem graves implicações numa actividade que constitui importante parcela da educação de milhares de crianças e jovens, a educação escolar. Esta situação tem impacto negativo na qualidade do ensino, com particular prejuízo para os alunos mais vulneráveis ao risco de insucesso e abandono escolar. Só nos últimos quatro anos foram despedidos cerca de 20 000 docentes contratados. No sistema mantêm-se docentes com vínculo precário que têm 10, 15, 20 e mais anos de serviço. Ao contrário da propaganda do MEC, não há professores a mais, há sim turmas com excesso de alunos o que impede os professores de acompanharem, próxima e atempadamente, o processo de aprendizagem específico de cada um deles, da educação pré-escolar aos ensinos Básico e Secundário.
É neste contexto de redução brutal do número de docentes que se insere a Prova de Avaliação de Capacidades e Conhecimentos (PACC), agora declarada inconstitucional pelo TC, estratégia de humilhação de professores que, desde que se aplica, já excluiu cerca de 8000 docentes dos concursos.
Todos os anos, as escolas debatem-se com problemas sérios de funcionamento e de acompanhamento dos alunos devido à falta de psicólogos, bibliotecários, assistentes operacionais e outros profissionais, cuja necessidade deveria ser reconhecida pelo MEC, pela importância que têm para os alunos e para a melhoria do ambiente escolar.
Mas não ficam por aqui os problemas que impedem o normal funcionamento das escolas públicas.
Milhares de crianças sem apoio
Sustentado numa falsa descentralização de competências para as autarquias e no alargamento da autonomia das escolas, o Governo avançou com o processo de municipalização da educação, envolvendo, nesta fase inicial, 15 municípios. Ao contrário do que afirma, o que vamos ter, caso este processo não seja revogado, é mais um factor de desvalorização da Escola Pública, mais privatização, recurso a vias que desvalorizam os percursos académicos dos alunos e contratualização com privados de diversas respostas. Se dúvidas pudessem existir aí está o exemplo da Câmara de Águeda que, logo no primeiro dia útil em que assumiu competências, informou os professores de uma Secundária que encerraria o 3.º Ciclo do Ensino Básico. Tal só não aconteceu porque foi pronta a reacção dos professores e também dos encarregados de educação. Caso a intenção da Câmara vá por diante, teremos mais um conjunto de professores sem componente lectiva na sua escola e, eventualmente, afastados para a requalificação, antecâmara do desemprego.
Como se pode verificar, são muitos os problemas que se colocam ao funcionamento da Escola Pública e à comunidade educativa desde já, desmentindo de forma categórica a propalada normalidade na abertura do ano lectivo. No entanto, há uma situação que, pela sua natureza, tem de merecer de todos os que lutam por uma Escola Pública de qualidade, gratuita, para todos e inclusiva, a mais veemente repulsa, situação que devia envergonhar os responsáveis por ela. Estou-me a referir à forma discriminatória como têm sido tratados milhares de crianças e jovens com necessidades educativas especiais (NEE).
A Escola Pública democrática deve responder aos objectivos da inclusão, garantindo efectivamente a igualdade de oportunidades para todos. Mas o que temos vindo a assistir é à condenação de milhares de alunos com NEE a percursos alternativos de menor validade, com inúmeros obstáculos e uma imensa carência de apoios e medidas adequadas. O afastamento brutal e desumano de dezenas de milhares de alunos das medidas de Educação Especial é uma faceta dramática da política do actual Governo. Um sistema público de educação reclama uma escola inclusiva, segundo a qual todas as crianças e jovens, independentemente das suas diferenças, origens e condições, possam aprender juntos, na Escola Pública da sua comunidade, no respeito pelos princípios da democratização da educação e da igualdade de oportunidades. Não há escola inclusiva se não forem criadas condições nesse sentido, o que exige apoios especializados adequados aos alunos com necessidades educativas especiais.
Ao invés do que fizeram os sucessivos governos que apostaram num sistema educativo ao serviço dos interesses do grande capital, abandonando o princípio básico e constitucional da subordinação do poder económico ao poder político, o PCP defende um projecto de desenvolvimento credível e sustentado para o País que impõe a existência de um sistema educativo de qualidade, capaz de garantir o desenvolvimento e enriquecimento do ser humano, através da educação, do conhecimento e da formação. Neste projecto educativo tem papel central e insubstituível a Escola Pública Democrática, gratuita, de qualidade e inclusiva.